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Amazon e The New York Times firmam acordo para uso de conteúdo jornalístico em inteligência artificial: o que está em jogo?

16, 06 2025 | Notícias

O uso de conteúdos jornalísticos para treinar modelos de inteligência artificial (IA) tem sido um dos pontos mais sensíveis na interseção entre tecnologia, propriedade intelectual e liberdade de imprensa. Recentemente, o The New York Times (NYT) anunciou um acordo com a Amazon que permite o uso licenciado de seus conteúdos jornalísticos para alimentar ferramentas de inteligência artificial desenvolvidas pela gigante de tecnologia, como a assistente virtual Alexa. O licenciamento desse tipo de material inaugura um novo capítulo nas discussões sobre direitos autorais e responsabilidade no uso de dados para fins de machine learning.

Embora os termos contratuais não tenham sido integralmente divulgados, o acordo simboliza uma mudança de postura por parte do NYT. Vale lembrar que, em 2023, o New York Times ajuizou uma ação contra a OpenAI e a Microsoft, alegando violação de direitos autorais pelo uso não autorizado de milhões de artigos em sistemas de IA. A parceria com a Amazon, portanto, representa uma nova estratégia: em vez de litigar, o NYT optou por licenciar e controlar o uso de seu conteúdo, aliando remuneração à proteção legal.

Nos Estados Unidos, esse tipo de negociação ocorre em um ambiente jurídico que admite a doutrina do fair use — conceito que, em certas hipóteses, permite o uso não autorizado de obras protegidas por direitos autorais, desde que dentro de critérios de razoabilidade. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro não contempla essa exceção. De acordo com a Lei 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), qualquer utilização de obra protegida, inclusive para fins de treinamento de algoritmos, exige autorização prévia e expressa do titular. Assim, uma iniciativa similar em território nacional exigiria contratos bem estruturados, com cláusulas claras sobre finalidade, extensão do uso e remuneração.

Além do direito autoral, também é essencial considerar o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) quando os conteúdos envolverem dados pessoais. Embora a LGPD não se aplique ao tratamento de dados pessoais realizado para fins exclusivamente jornalísticos – como por vezes faz o NYT –, o uso destes dados para fins de alimentação de ferramentas de IA foge desta finalidade específica, o que automaticamente atrai a aplicação da LGPD. Nesse caso, a empresa responsável pelo tratamento dos dados deve garantir a existência de base legal válida para a finalidade pretendida, além de considerar medidas como a anonimização dos dados.

Do ponto de vista estratégico, o licenciamento remunerado de conteúdo representa não só uma forma de mitigar riscos jurídicos e evitar litígios, mas também de valorizar o trabalho intelectual dos autores envolvidos. Para empresas brasileiras que desejam utilizar dados, textos, imagens ou outros ativos protegidos em sistemas de IA, o exemplo do acordo NYT-Amazon serve como alerta: é indispensável avaliar cuidadosamente os direitos envolvidos, respeitar a legislação aplicável e formalizar contratos que garantam segurança jurídica às partes.

Em suma, o futuro da IA generativa dependerá não apenas de avanços tecnológicos, mas também da construção de estruturas jurídicas sólidas e transparentes, que conciliem inovação, ética e respeito à propriedade intelectual. O acordo entre Amazon e The New York Times pode não ser o primeiro — e certamente não será o último — a redefinir o que significa “usar conteúdo” na era da inteligência artificial.