Nova rodada de tarifas impostas pelos EUA contra o Brasil intensifica a disputa comercial, expõe motivações políticas e obriga governo e exportadores a buscar alternativas de sobrevivência no mercado internacional
Por Ricardo Inglez de Souza e Carolina Neves
A Medida Provisória nº 1.309, publicada em 13 de agosto, trata de mais um capítulo na dura negociação da agenda comercial entre Brasil e Estados Unidos da América.
Em 20 de janeiro deste ano, o presidente Donald Trump assumiu novamente a presidência dos Estados Unidos da América e, por meio de sua primeira ordem executiva (Executive Order 14154, intitulada Unleashing American Energy), adotou medidas rigorosas na política energética nacional. Justificou-as como necessárias para restaurar a segurança econômica e militar dos EUA, o que proporcionaria aos americanos “peace through strength” (paz por meio da força). Essa foi a primeira e clara manifestação de uma política ostensiva e protecionista por parte da maior potência econômica mundial.
Logo em seguida, uma nova medida passou a dominar as pautas políticas e comerciais internacionais: a retaliação tarifária, com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA de 1974. Tal dispositivo autoriza o presidente norte-americano a adotar medidas contra atos, políticas ou práticas de governos estrangeiros que violem acordos comerciais internacionais ou que sejam discriminatórios, onerosos ou restritivos ao comércio dos EUA.
Nesse sentido, foram adotadas as seguintes medidas pelos EUA:
Considerando o histórico das sanções tarifárias mencionadas, o primeiro ponto a ser observado é que o Brasil não constava no Anexo I da OE 14257 (Liberation Day), o que indicava, em princípio, ausência de déficit comercial relevante com os EUA. Em contraponto, a OE 14323 penalizou as exportações brasileiras em percentual equivalente aos casos em que o déficit fora apurado, sem que esse tenha sido o fundamento declarado.
Conforme disposto expressamente na OE 14323, a justificativa para a imposição das tarifas foi política, com base na alegação de que práticas do Governo brasileiro ameaçariam a segurança nacional e a economia dos EUA, bem como violariam a liberdade de expressão e os direitos humanos. A medida faz menção direta a supostos abusos de autoridade judicial por parte do Ministro Alexandre de Moraes, do STF, e à perseguição política de autoridades brasileiras ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
O fato de determinados produtos brasileiros terem sido excetuados da tarifa adicional reflete, por evidente, o interesse comercial dos EUA em itens cuja produção interna é insuficiente ou até mesmo inexistente. Segundo nota oficial emitida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), 35,9% das exportações brasileiras aos EUA foram atingidas pela tarifa de 50%, 44,6% foram excetuadas, e 19,5% referem-se a produtos sujeitos a tarifas específicas já aplicáveis a todos os países, como autopeças e veículos.
Diante dessa crise político-econômica, observa-se o movimento de empresas exportadoras afetadas buscando negociações bilaterais com os EUA para obtenção de isenções, além da reestruturação de suas estratégias comerciais por meio de planejamentos tributários e aduaneiros voltados à manutenção do comércio com os EUA ou à busca de novos parceiros. Revisões e cautelas contratuais também são observadas.
O Governo brasileiro, por sua vez, adotou postura pragmática, frente ao insucesso das vias diplomáticas, ao publicar a Resolução CEC nº 11, de 04 de agosto, autorizando o Ministério das Relações Exteriores a acionar o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da Organização Mundial do Comércio (OMC) – World Trade Organization (WTO) – contra as medidas adotadas pelos EUA. A OMC é a instância internacional competente para administração de acordos e solução de disputas comerciais internacionais. Trata-se de organismo multilateral que preserva em sua essência o elemento pacificador do diálogo e da tentativa do consenso.
Em 11 de agosto a OMC confirmou a queixa formal do Brasil contra as medidas norte-americanas. Não há muitas expectativas de que essa seja uma solução rápida para a disputa, mas trata-se de movimento importante para trazer para a negociação a audiência da comunidade internacional, grande parte também afetada pela abordagem estadunidense. Existe ainda uma questão com o órgão permanente de apelação. Desde dezembro de 2019, por reiterados vetos dos EUA, a nomeação de novos integrantes aos cargos vagos está indefinida.
Outra alternativa para retaliar a medida seria a aplicação da Lei de Reciprocidade Econômica (Lei nº 15.122, de 11 De abril de 2025) pelo Governo Brasileiro, autorizando retaliações unilaterais aos EUA, mediante suspensão de concessões comerciais, de investimentos ou de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual. Contudo, esta decisão é pouco provável, tendo em vista que implicaria em alimentar uma escalada que o Brasil não teria como suportar, conforme inclusive previsto na própria OE 14323.
Com a entrada em vigor da elevação tarifária, a reação brasileira para assistência dos exportadores afetados foi anunciada através do lançamento do Plano Brasil Soberano. A recente MP 1.309/2025, publicada em edição especial do Diário Oficial da União, prevê uma séria de ações de apoio a atividade de empresas exportadoras, ações relativas ao Seguro de Crédito à Exportação (SCE) e ao Fundo de Garantia à Exportação (FGE), Programa Emergencial de Acesso a Crédito denominada PEaac-FGE Solidário, a prorrogação de atos concessórios de drawback suspensão relacionados a contratos com compromisso de exportação aos EUA e medidas de aquisição de alimentos que deixaram de ser exportados pelo Governo Federal. O pacote representa 30 bilhões em créditos para as empresas afetadas.
Outra medida importante que foi anunciada, mas que não consta na MP é o percentual do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) de 3,1% para empresas de grande e médio porte de setores afetados pelas tarifas e 6% para micro e pequenas empresas também afetadas. Pelo mecanismo do regime, provavelmente será publicado o Decreto dispondo sobre os percentuais e listando as empresas a serem beneficiadas. Atualmente o percentual do Reintegra é de 0,1% para as empresas exportadoras listadas no anexo I do Decreto n 8.415/2015, as quais apuram o crédito sob as exportações realizadas ao final do trimestre calendário através do sistema PER/DCOMP.
Após toda a análise do tema, em que pesem as medidas de socorro promovidas pelo governo brasileiro, conclui-se que a incerteza quanto aos próximos capítulos exige do setor exportador brasileiro uma estratégia de adaptação constante, em linha com a lógica darwinista: sobreviverão aqueles que melhor se adaptarem às mudanças que, nesse contexto, deverão ser muitas e muito rápidas.
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