A Reforma Tributária não vai afetar apenas o cálculo de impostos e a emissão de notas fiscais. Ela também exigirá uma reavaliação de cláusulas contratuais em negócios de todos os tamanhos. Com a entrada em vigor da CBS e do IBS, contratos empresariais (especialmente os de prestação de serviços, fornecimento e locação de longo prazo) precisarão ser atualizados para refletir a nova realidade tributária e evitar litígios.
“A substituição de tributos (PIS, Cofins, ICMS e ISS) pela CBS e pelo IBS é um típico fato do príncipe, ou seja, um comando estatal que tem efeito obrigatório perante particulares. A atualização é recomendável para resguardar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”, explica Marcelo Naufel, da ABN Advogados Associados, em entrevista ao Economia Real.
De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, as cláusulas mais sensíveis são aquelas relacionadas à formação de preço, repasse de tributos, reajuste e responsabilidades fiscais.
“O ideal é que os contratos não fiquem apenas em menções genéricas. É recomendável que CBS e IBS sejam citados de forma expressa, para evitar dúvidas sobre como o custo será tratado. Como esses tributos tendem a ser repassados ao cliente, as partes precisarão definir claramente se a transferência será integral ou parcial”, afirma Carlos Crosara, do Natal & Manssur Advogados.
César Albuquerque, do ANPG Advogados, concorda: “No novo modelo, não basta dizer que ‘os impostos incidentes serão repassados’. A cláusula deve mencionar expressamente a CBS (tributo federal) e o IBS (tributo compartilhado entre estados e municípios)”.
Por isso, apesar de continuarem válidas, cláusulas antigas com termos vagos como “impostos incidentes serão repassados” podem se tornar palco de conflitos. “Quanto mais aberta a cláusula, maior a chance de conflito. Pode haver discussão sobre se os novos tributos estão ou não incluídos”, alerta Erlan Valverde, do IW Melcheds Advogados.
Albuquerque reforça: “A ambiguidade é terreno fértil para judicialização. Imagine uma empresa prestadora de serviços de longo prazo que, de repente, vê sua carga tributária alterada pelo IBS. O cliente pode alegar que o preço é fechado. O fornecedor pode pedir revisão judicial alegando onerosidade excessiva”.
Conflitos com empresas do Simples Nacional
As mudanças podem gerar atritos também entre empresas de regimes distintos, por exemplo, quando uma está no Simples Nacional e a outra no regime normal.
“O Simples Nacional tem regime diferenciado e não destacará IBS/CBS da mesma forma que empresas do regime normal. Isso pode gerar discussões sobre preço ‘com ou sem imposto’. As empresas subordinadas ao Simples Nacional não gerarão crédito, logo tendem a ser afastadas da relação mercantil com empresas no lucro real e presumido”, afirma Marcelo Naufel.
O adquirente só poderá usar como crédito aquilo que vier destacado na nota, o que pode levar a pressões para que o fornecedor do Simples adote o regime híbrido. Isso tende a gerar atrito contratual”, complementa Valverde.
Em contratos como concessões, locações ou fornecimentos contínuos, a necessidade de revisão é ainda maior. “É fortemente recomendável prever mecanismos de recomposição tributária. Cláusulas de ajuste automático, baseadas na alteração de tributos, dão mais segurança para ambas as partes”, diz Luís Garcia, do MLD Advogados.
Albuquerque destaca que a entrada em vigor da CBS e do IBS “pode ser interpretada como fato novo capaz de desequilibrar contratos de longa duração. É prudente revisar e, se necessário, firmar aditivos contratuais”.
Como lidar com a alíquota ainda indefinida?
Embora a alíquota padrão da CBS e do IBS ainda não tenha sido consolidada, é possível (e recomendável) antecipar medidas contratuais. “A falta de definição da alíquota gera insegurança, especialmente em contratos continuados. Por isso, cláusulas de reajuste e rediscussão são indispensáveis”, alerta André Felix Ricotta, do IBET.
Naufel reforça que os contratos podem prever “reajuste automático ou, em contratos mais complexos, uma cláusula de rediscussão para reequilibrar as obrigações”.
Como o jurídico e o contador devem atuar juntos?
Os especialistas são unânimes: a revisão contratual deve ser feita em conjunto por advogados e contadores. Cada parte tem um papel fundamental. “O contador vai traduzir o impacto prático da reforma nos números, como a carga efetiva, créditos de IBS, e forma de apuração. O jurídico vai transformar isso em cláusulas preventivas de litígio”, afirma Naufel.
Para Ricotta, “uma análise isolada dificilmente dará conta de todos os riscos. É essencial que advogados e contadores atuem de forma integrada”.
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