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Reforma tributária vai exigir revisão de contratos empresariais

30, 10 2025 | Notícias

Cláusulas de preço e repasse de tributos ganham relevância diante da criação da CBS e do IBS

A entrada em vigor da reforma tributária, que substitui tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), não deve impactar apenas a rotina fiscal das empresas. Para especialistas, a mudança também atinge a redação e a interpretação de contratos, exigindo maior atenção a cláusulas de preço, repasse de tributos e mecanismos de reajuste.

Carlos Crosara, advogado do Natal & Manssur Advogados, afirma que será necessária a revisão dos contratos anteriores, já que os novos tributos vão onerar os preços tanto na aquisição de insumos quanto na venda de mercadorias e serviços.

“As cláusulas de preço precisarão ser reavaliadas com muito cuidado, pois isso interfere diretamente na rentabilidade e no fluxo de caixa. É recomendável a menção expressa à CBS e ao IBS esteja prevista nos contratos, definindo claramente se os custos serão repassados integral ou parcialmente”, observa.

Ele lembra, porém, que existe um mecanismo de atenuação: a não cumulatividade plena. “Todos os insumos adquiridos com incidência da CBS e do IBS vão gerar direito a crédito integral na saída. Ainda assim, como a alíquota geral prevista é de 26,5%, o impacto será muito relevante para o custo de aquisição, o fluxo de caixa e o capital de giro. Por isso, os empresários precisam ter atenção redobrada nesse ponto.”

Para Erlan Valverde, sócio do IW Melcheds Advogados, a redação genérica das cláusulas de repasse pode abrir espaço para disputas judiciais. “Quanto mais aberta for a cláusula, mais complexa será a discussão em caso de revisão contratual. A alteração tributária pode ser alegada como fato imprevisível, permitindo pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro”, explica.

Ele lembra que a Lei Complementar 214/25 já prevê critérios de reajuste em contratos administrativos, mas alerta para a dificuldade de renegociações em setores como saneamento.

Outro desafio apontado por Valverde é quando empresas em um mesmo contrato estão em regimes distintos, como Simples Nacional e regime regular. “Os adquirentes poderão pressionar fornecedores optantes pelo Simples a adotar o regime híbrido, mas sem repassar a majoração tributária. Esse será um ponto de tensão contratual importante”, afirma.

Nos contratos de longa duração, o risco é ainda maior, segundo Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados.

“Uma obra ou contrato de fornecimento assinado agora pode atravessar o período de transição da reforma (2026-2033), com diferentes regimes aplicáveis em fases distintas da execução. Por isso, é altamente recomendável incluir cláusulas de recomposição tributária, prevendo ajustes automáticos em caso de alteração legislativa”, orienta.

Ele acrescenta que setores como construção civil, energia, concessões de infraestrutura e contratos de fornecimento industrial precisam dessa proteção, já que uma mudança tributária no meio da execução pode até inviabilizar economicamente a operação. Para as pequenas e médias empresas, Garcia recomenda atenção especial: “Sempre que assinarem novos contratos, devem incluir cláusulas-padrão de repasse, estruturar controles para não perder créditos no cruzamento de sistemas e prever reajustes periódicos também por variação tributária.”

Já André Felix Ricotta, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e sócio da Felix Ricotta Advocacia, destaca a insegurança trazida pela indefinição das futuras alíquotas da CBS e do IBS.

“As cláusulas de reajuste e rediscussão tornam-se indispensáveis para mitigar riscos e garantir equilíbrio econômico-financeiro, devendo conter gatilhos claros, fórmulas de cálculo transparentes e definição da base de comparação”, ressalta.

Para ele, outro ponto crucial será a integração entre advogados e contadores. “A reforma não é apenas fiscal; envolve aspectos jurídicos, econômicos e operacionais. Uma abordagem multidisciplinar é essencial para capturar todos os riscos e oportunidades.”

Reforma deve impactar diretamente os MEIs

Aprovada em dois turnos na Câmara e atualmente em fase de regulamentação no Senado, a reforma tributária promete simplificar o sistema de impostos no Brasil, mas também traz incertezas para microempreendedores individuais. Segundo dados do Sebrae, o país conta hoje com mais de 15 milhões de MEIs, responsáveis por uma fatia crescente do mercado formal de trabalho. A nova estrutura de tributos – que prevê a unificação de impostos sobre consumo e mudanças nas alíquotas – pode alterar significativamente o regime de contribuição desses profissionais.

De acordo com o advogado Michel Cury, diretor-executivo da Rocket Lawyer Latam, o ponto de atenção está na transição entre os regimes e na possível reclassificação de atividades.

“A reforma tem como objetivo simplificar, mas a simplificação não é sinônimo de isenção. É essencial que os microempreendedores entendam como as novas regras podem afetar sua carga tributária e, principalmente, o enquadramento como MEI”, afirma Cury.

“Algumas atividades podem ser reavaliadas pelo novo modelo e, caso ultrapassem o limite de receita anual, o empreendedor poderá ser obrigado a migrar para o Simples Nacional, o que muda completamente sua forma de contribuição.”

Atualmente, o teto anual do MEI é de R$ 81 mil, valor que ainda não tem previsão de alteração direta pela reforma. No entanto, segundo a Receita Federal, o novo modelo de tributação sobre o consumo – que unifica PIS, Cofins, ICMS e ISS no chamado IBS e na CBS – pode gerar mudanças indiretas na forma como os impostos são repassados na cadeia produtiva. Isso significa que mesmo sem aumento nominal de carga, o custo final de produtos e serviços oferecidos pelos microempreendedores pode subir.

Outro ponto de atenção está nas obrigações acessórias. A proposta prevê uma maior digitalização e cruzamento de dados fiscais.

“A automatização é positiva, mas também aumenta a fiscalização. O MEI precisará estar mais atento à emissão de notas e à regularidade de suas contribuições para não correr o risco de desenquadramento”, alerta.

Para o advogado, o momento é ideal para buscar orientação jurídica e revisar a estrutura do negócio.

“A transição deve ser gradual, mas quem se preparar desde já estará em vantagem. É fundamental entender o impacto sobre o fluxo de caixa, custos e precificação, e utilizar ferramentas de gestão e assessoria jurídica para se adequar sem sustos”, complementa.

De acordo com estimativas do IBGE, o número de trabalhadores por conta própria com CNPJ cresceu mais de 7% em um ano, reforçando a importância desse segmento na economia.

 

Publicado no Monitor Mercantil.